segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Overdose garantida


1971. Os Stooges, a mais nova banda a chacoalhar as estruturas do rock’n’roll, são demitidos da Elektra apenas três anos após o contrato ser firmado. Entre 1969 e 1970 eles gravaram duas das obras mais caóticas da virada da década - o autointitulado“Fun House” - e deixaram um rastro de destruição meteórica por onde passaram. Mas isso não foi o bastante para construir um público. O som furioso, prenúncio do punk rock, também não ajudou.

Logo, não restou nenhuma alternativa ao frontman Iggy Pop a não ser sair de seu estado de origem, Michigan, e ir de encontro à efervescência cultural de Nova York. Lá, ele entrou em contato com o ascendente David Bowie e conseguiu um empresário, Tony Defries, para tentar manter sua alucinante carreira estável. O próximo passo foi reunir músicos.

Quando chegou a Nova York, Iggy já tinha em sua companhia o guitarrista James Williamson, com quem viria a escrever todas as músicas da última fase dos Stooges. Por mais que o plano inicial fosse montar uma banda nova, a dupla não tardou a perceber que eles precisavam dos antigos colegas do vocalista: os irmãos Ron e Scott Asheton. Então, um ano depois do fim, o trio mais selvagem de Detroit estava junto de novo, acompanhado por um guitarrista que nunca havia entrado em um estúdio antes. E com essa formação eles gravaram a obra máxima dos Stooges.

Da esquerda para a direita: James Williamson, Iggy Pop, Ron Asheton e Scott Asheton

A principal diferença entre a primeira e a segunda encarnação da banda é a presença de Williamson, que obrigou Ron, o antigo guitarrista, a passar para o baixo. O baixista original era Dave Alexander, demitido por beber demais (!) em 1970. De resto, estava tudo ali: a mesma inconsequência, a mesma loucura e os mesmos excessos. Eles começaram as sessões do terceiro álbum em setembro e saíram do estúdio no dia 6 de outubro de 1972 com oito faixas brutais, para dizer o mínimo.

Recepções e vendas calorosas nunca foram uma constante na carreira de Pop e seus comparsas, e com “Raw Power” não foi diferente. Diante das vendas pífias, Defries abandonou a banda e a CBS, gravadora que lançou “Raw Power”, também fez o mesmo. Eles sobreviveram até 1974 com apresentações bizarras marcadas pelo comportamento antagônico de um Iggy cada vez mais insano. Quando os Stooges finalmente implodiram, David Bowie foi responsável pelo ressurgimento do vocalista em uma carreira solo expressiva.

Com o passar dos anos a magnitude de “Raw Power” só aumentou. Kurt Cobain o citou diversas vezes em seus diários como seu álbum favorito de todos os tempos. Henry Rollins (Black Flag) tem “search & destroy”, o nome da faixa de abertura, tatuado nas costas. De acordo com Steve Jones (Sex Pistols), ele aprendeu a tocar guitarra ouvindo o álbum chapado de anfetamina. Nem mesmo o polêmico Morrissey ficou incólume diante do poder de fogo de “Raw Power”, caracterizando Search and destroy como “ótima” e “uma música muito Los Angeles”.

E então eis que, em 1997, a Columbia convida Iggy Pop para remixar o disco originalmente remixado por Bowie em 1973. Desde a década de 90, cópias com a mixagem original circulavam entre fãs e Pop citou isso como a principal razão pela qual ele aceitou o convite. Mas essa empreitada só deu margem para mais confusão.

Comparando o som original com o relançamento, a primeira característica que salta aos ouvidos é o volume da cozinha dos Asheton. Em nenhum dos dois ela toma o lugar da guitarra ou do vocal, mas Bowie fez com que a banda toda soasse uniforme, enquanto Iggy deixou os riffs e solos de Williamson no talo e fez cada música soar como uma corrida entre baixo-bateria e guitarra-vocal. Numa audição mais atenta, é perceptível a menor duração do relançamento, principalmente em Death trip, a última faixa. Penetration também merece nota por ter seus ruídos psicodélicos diminuídos.

O relançamento é motivo de discórdia entre os fãs até hoje. Mas, no fim das contas, qual dos dois é melhor: o som mais encorpado da primeira versão ou a crueza brutal da segunda? Fico com a segunda por puro costume. É a versão que eu comprei e já me acostumei com sua brutalidade ensurdecedora. Para mim, “Raw Power” soa absolutamente fantástico desse jeito. Desde o início arrebatador com Search and destroy até o final improvisado com Death trip, passando pela melódica Gimme danger e pela maníaca Penetration, é puro caos. E é demais. Um dos melhores e maiores discos da história do rock’n’roll.


Clique aqui para baixar a mixagem de David Bowie de 1973.

Clique aqui para baixar a remixagem de Iggy Pop de 1997. Obs.: de acordo com o Chicago Mastering Service, esse é o CD mais alto de todos os tempos e “the most ear-fatigue-inducing way to get things loud”. Digno.

É o seguinte: baixe ou compre qualquer uma das duas edições (a de 1997 é mais fácil de se achar), coloque no seu aparelho de som no volume máximo e assista todo o seu quarto ser chacoalhado pelo verdadeiro poltergeist que é “Raw Power”. Experiência incrível, eu te garanto.

Raw power is sure to come a-runnin' to you!!!