1991.
O Nirvana toma a cena alternativa norteamericana de assalto com Nevermind, o
maior clássico do grunge. Dr. Dre abandona o N.W.A e começa a arquitetar seu
plano maligno para revolucionar o hip hop: o G-funk. E o My Bloody Valentine
finalmente completa a obra-prima do shoegaze.
Levou
tempo para Loveless vir à luz do dia – dois anos, uma estimativa de dezoito
estúdios e a suposta quase falência da gravadora da banda, a Creation. O
perfeccionismo do guitarrista e vocalista Kevin Shields em relação ao segundo
álbum do My Bloody Valentine é comparável ao de Brian Wilson na época da
gravação de Pet Sounds, o grande disco dos Beach Boys; tanto que os irlandeses
só voltaram a lançar material inédito em 2013. O fato é que Loveless foi pivô
de uma revolução no rock alternativo ao transformar o noise pop de Cocteau
Twins, Sonic Youth e Dinosaur Jr. em uma criatura sem precedentes até mesmo
para os outros expoentes do shoegaze. Mas, antes disso, foi documento de uma
revolução dentro do próprio My Bloody Valentine.
Essa
revolução foi registrada em vários EPs, sendo aqueles lançados entre 1988 e
1991 fundamentais para se entender o processo que culminou no clássico Loveless.
You Made Me Realise, o primeiro da série, se trata de um divisor de águas na
história do MBV por ter sido sua estreia na Creation. O disquinho traz muito
das características de Isn’t Anything, o debut cheio do mesmo ano: guitarras
distorcidas no talo, vocais preguiçosos, bateria frenética. Faixas como “Slow”
e “Thorn” fizeram deste um clássico e um belo exemplar do pós-punk mutante que
era o som do quarteto nessa época. Feed Me With Your Kiss saiu logo em seguida
e, ainda que conserve a mesma fórmula do antecessor, envereda por caminhos mais
sombrios. “I Need No Trust” soa como um laboratório para os instrumentais de
Loveless.
Glider
(1990) foi gravado durante as sessões do magnum opus, contando com a clássica “Soon”
na tracklist. O EP exala transição, já lembrando pouco dos trabalhos anteriores
e não sendo muito coeso, apesar de importante. A faixa-título é Kevin Shields brincando
com seu arsenal guitarrístico, “Don’t Ask Why” é uma espécie de precursora de “Sometimes”, número acústico da obra maior do grupo, e “Off Your Face” introduz o estilo mais reto que o baterista Colm Ó Cíosóig
adotaria a partir daí.
Tremolo
(1991) foi, essencialmente, o registro pré-Loveless. Não por acaso, carrega
várias das características mais marcantes deste: as passagens instrumentais ao
final de cada canção – segundo Shields, músicas individuais camufladas –, os
samples discretos e a parede sonora cada vez mais alta, chegando perto de
encobrir as vozes angelicais da dupla Shields e Bilinda Butcher. A meu ver,
supera o clássico You Made Me Realise e contém três dos melhores momentos da banda:
“To Here Knows When”, presente também em Loveless, “Swallow” e “Honey Power”,
todas deliciosamente oníricas.
Voltemos,
então, ao começo do texto. Levou tempo para Loveless vir à luz do dia, mas ele
veio. E, quase simultaneamente, o My Bloody Valentine sucumbiu. Depois de uma mudança de gravadora, Shields passou por um bloqueio criativo e pouco a pouco seus
companheiros abandonaram o barco. Ao final da década de 1990, o líder do MBV se
envolveu em projetos paralelos com nomes como Primal Scream, Yo La Tengo e
Dinosaur Jr. Os expoentes maiores do shoegaze só voltaram a se reunir em 2007 e,
em 2013, lançaram o terceiro álbum da carreira, autointitulado e aclamado por
público e crítica.
No
entanto, seu legado mais expressivo já foi concebido e consolidado. Loveless é
uma das grandes obras dos anos 1990 e não teria sido possível sem esses quatro
EPs, compilados mais tarde na coletânea EP’s 1988-1991 junto a algumas pepitas perdidas. Boa viagem.