segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Steady Diet of Nothing, ou a volta dos que não foram (ao mainstream)


O sucesso é um fenômeno perigoso. Vem sem aviso, abala as estruturas dos envolvidos e pode ir embora tão ou mais rápido quanto chegou. Na virada de 1990 para 1991, o Fugazi experimentou deste: a turnê de promoção de Repeater, uma das estreias mais estrondosas da história da música, arrebanhou um séquito monumental de fãs e não demorou a chamar a atenção dos engravatados. Contrariando as expectativas o quarteto de Washington, DC manteve-se firme em suas convicções e preferiu seguir na Dischord, que, apesar de pequena, era território seguro e livre de cobranças mercadológicas.

Ainda assim, havia toda uma espera muda e ansiosa no habitat natural dos rapazes. O que estava por vir? superaria o aclamado debut? Em julho de 1991 a curiosidade pode ser sanada na forma de Steady Diet of Nothing, um disco de nome estranho e capa simples.

Se a arte de Repeater ostentava o nome em letras garrafais, a de Steady Diet sequer o fazia na parte da frente, que contava apenas com uma imagem simples e um “Fugazi” no canto superior esquerdo. Julgar um livro pela capa não costuma ser correto, mas nesse caso faz todo sentido. Basta dar play em “Exit Only”: cacofonia despretensiosa abrindo alas para riffs simples, bateria cadenciada e letra abstrata.

Suceder um trabalho prestigiado é sempre tarefa árdua, e, no caso do Fugazi, foi dificultada pela ausência de Ted Niceley, o produtor de Repeater. Ou seja, os caras acabaram tendo que se virar com o pouco conhecimento que tinham do assunto. Segundo Ian MacKaye, a mixagem foi especialmente complicada. Ninguém queria afetar a performance do colega, assim, Steady Diet acabou sendo mixado, em suas próprias palavras, “democraticamente”. Portanto, não há nada da sonoridade grandiosa do debut.

Em vez disso, a banda enveredou por caminhos mais minimalistas, com a dupla Joe Lally (baixo) e Brendan Canty (bateria) se destacando muito mais que os riffs esparsos de MacKaye e Guy Picciotto. Talvez por isso Steady Diet se tornou um disco subestimado tanto pelos críticos quanto pelo próprio Fugazi. Mas eu digo que ambos os lados foram injustos. Afinal, um disco com a paulada visceral de “Reclamation”, o groove torto de “Stacks”, a bateria insana de “Latin Roots”, a beleza de “Long Division”, a dissonância de “Dear Justice Letter”, a tensão de “KYEO”, enfim, não pode ser desconsiderado. Essa capa desbotada esconde um álbum violento, catártico, desesperado e engajado. E, por isso – e também por ter sido meu primeiro disco de vinil lacrado –, tão bom ou até superior a Repeater.

Para terminar, a oportuna letra de “Reclamation”, uma das melhores músicas que já ouvi:

These are our demands –
We want control of our bodies
Decisions will now be ours
You’ll carry out your noble actions
We will carry our noble scars

No one here is asking
But there is a question of trust
You will do what look good to you on paper
We will do what we must