Sabe aquela banda que influenciou um sem-número de artistas aclamados mas não igualou a fama dos mesmos?
O Killing Joke é um bom exemplar. Seu impacto se mostrou especial na geração dos anos 90: de Nirvana a Metallica, de Nine Inch Nails a Faith No More, todos foram impelidos pelo Killing Joke a alguma direção, de alguma forma. O próprio grupo capitaneado pelo icônico Jaz Coleman se direciona a novos caminhos constantemente. Tem sido assim por pouco menos de 30 anos.
E essa longa história começa em Londres, 1979, quando Jaz conhece Paul Ferguson. Sendo eles vocalista e baterista, respectivamente, a dupla decide recrutar membros para um projeto que buscava, nas palavras de Coleman, "definir a beleza da era atômica em estilo, som e forma". Logo aparecem Martin "Youth" Glover e Kevin "Geordie" Walker e a formação clássica do Killing Joke se reúne pela primeira vez. O EP "Turn To Red" é a estreia desse line-up e, na época, caiu nas graças do lendário radialista John Peel. John Lydon, já à frente do Public Image Ltd., também manifestou apreço ao pós-punk distinto dos novatos.
A distinção se dava pelo uso dos sintetizadores em conjunção com os riffs distorcidíssimos de Geordie, característica recorrente na carreira do Killing Joke. O pequeno registro traz esse aspecto, mas é uma peça única na discografia do grupo por conter muito do reggae e dub jamaicanos. E apesar da atmosfera amadora, ressaltada pela produção precária, a competência dos envolvidos já é um destaque, especialmente as linhas de baixo de Youth e a performance de Coleman.
Em seu debut propriamente dito, registrado em 1980, o quarteto disseminou as raízes do rock industrial usando e abusando de riffs distorcidos, andamento cadenciado e letras proféticas, quase apocalípticas. O disco possui uma atmosfera muito sombria e é um dos mais cultuados daquela época. Basta ouvir pedradas do nível de Requiem, Wardance e The Wait para constatar o imenso talento dos envolvidos na construção de ambientes pesados. Para mim, a audição do álbum equivale ao campo de batalha, entre trincheiras e desastres atômicos; e acho que era essa a intenção. Um verdadeiro clássico.
Logo a base de fãs do Killing Joke estava se formando, e nisso eles também foram diferenciados: seus shows arrebanhavam tanto fãs do pós-punk quanto do heavy metal. As
apresentações, aliás, foram o primeiro passo para a notoriedade da banda. No
palco Jaz Coleman maximizava as performances neuróticas e, não por acaso, sua
imagem acabou se tornando sinônimo de Killing Joke. Some isso às polêmicas envolvendo o uso de fotografias relacionadas ao Terceiro Reich e temos aí um dos nomes mais bombásticos da década de 1980 (e das posteriores também).
A partir do segundo lançamento, "What's THIS For...!", o baterista Paul Ferguson adotou uma forma de tocar que se manteria em todos os discos até 1985: guiar o andamento de cada música principalmente pelos tons da bateria, tal qual as percussões tribais de algum ritual exótico. É essa característica que dá o tom opressivo e desconfortável do disco, o qual contém algumas das melhores composições da carreira do Killing Joke.
No ano seguinte o grupo decidiu se mudar para a Alemanha a fim de gravar material com o renomado produtor Conny Plank (Kraftwerk, Neu!). O resultado divide opiniões: enquanto uns veem instrumentistas fora de sintonia, outros enxergam em "Revelations" uma obra única do pós-punk oitentista; faço parte da segunda vertente. O fato é que este viria a ser o último momento da formação original até 2010, além de se tratar de uma ponte entre a agressividade selvagem dos primórdios e o consecutivo som mais palatável.
Mais palatável, não totalmente pop. Como ficou claro no excelente "Fire Dances", a estreia do baixista Paul Raven, as doses de melodia aumentaram consideravelmente e Coleman começava a mostrar seu verdadeiro potencial como cantor. No entanto, a lírica obscura e os riffs ruidosos continuavam ali, ao mesmo tempo em que o papel dos sintetizadores crescia. E foi na obra-prima "Night Time" que essa fórmula amadureceu de vez.
Não é por acaso que "Night Time" é o disco mais lembrado quando se fala em Killing Joke. No álbum de 1985 o grupo está no auge, conciliando com propriedade a faceta sombria e as tendências da época e, assim, dando forma a um New Wave muito menos festeiro que de costume. Só há pérolas no setlist, mas uma delas merece nota: a clássica Love Like Blood, o maior hit dos caras e uma pequena obra-prima. Isso sem falar na antológica Eighties, outro grande atestado da influência de Jaz Coleman e companhia. Riff familiar, não é mesmo?
Infelizmente, o brilhantismo não foi repetido com a mesma eficácia depois. "Brighter Than A Thousand Suns", apesar de ter sua qualidade, fica devendo. Quase totalmente guiado pelos sintetizadores, o trabalho não foi unanimidade e traz um dos melhores desempenhos de Jaz, tanto como vocalista quanto como letrista. Mas o aparato tecnológico deixa a guitarra rascante de Geordie em segundo plano, o que só prejudica a audição. Isso se repete no péssimo "Outside The Gate", planejado como um álbum solo do frontman e a primeira grande mancha na carreira dos ingleses. Suas gravações foram tão conturbadas que renderam a saída de Raven e Ferguson e o fim (temporário) do Killing Joke.
Coleman, Geordie e Raven retornariam em 1990 com "Extremities, Dirt & Various Repressed Emotions", uma espécie de volta às raízes mais cruas. Mas isso é história pra outro post. Por enquanto, fique com o massacre sonoro da primeira década do quarteto, certa vez descrito como "o som da Terra vomitando" por Paul Ferguson e essencial para se entender o que veio depois. This is music to march to; do a war dance!