A segunda saída de John Frusciante do Red Hot Chili Peppers, quase vinte anos após a primeira, não foi algo inesperado. Desde 1998, quando o guitarrista retornou ao grupo, a rotina de trabalho era intensiva e a exaustão tomou conta de todos os membros. Por isso, aproveitando o hiato indefinido dos Peppers que se instalou em 2008, Frusciante abandonou o barco e tornou a se concentrar integralmente em sua carreira solo. E não demonstrou sinais de querer retomar o posto desde então.
A carreira solo, contudo, nunca foi deixada em segundo plano, mesmo durante o tempo em que ele gravava e excursionava com seu projeto mais famoso. Seu primeiro disco data de 1994 e até o momento o cara mostrou uma produtividade notável levando em conta os diversos compromissos do RHCP, inclusive produzindo e gravando com outros artistas. Isso foi determinante para que uma base fiel de fãs fosse conquistada e ele se tornasse um nome de respeito nos circuitos alternativos, além de, é claro, ter mostrado sua capacidade criativa fora de um nome ilustre.
Criatividade, aliás, foi a palavra de ordem para John em 2004. Enquanto fazia uma turnê promovendo "By The Way" ao lado de Anthony Kiedis e companhia, ele foi capaz de lançar nada menos que sete álbuns, dos quais seis foram registrados em um período de seis meses. E isso não foi o bastante para a inventividade do novaiorquino: ao lado do baixista Joe Lally (Fugazi) e do atual guitarrista do RHCP, Josh Klinghoffer, que cuidou da bateria e dos sintetizadores, ele montou uma espécie de supergrupo do rock alternativo que durou duas semanas em estúdio e dois shows ao vivo; e era essa a idéia.
O trio se conhecia de outros carnavais. John sempre foi um frequente espectador dos shows do Fugazi, bem como seu companheiro de banda Flea. De acordo com Joe Lally, ele e Frusciante passaram a se comunicar mais quando o baixista se mudou para Los Angeles. A afinidade musical dos dois era grande, logo, não foi tão surpreendente para Lally ser convidado a fazer um show com o ex-RHCP e Josh Klinghoffer. Mas a idéia só tomou forma a partir do momento em que os três entraram em estúdio e... simplesmente tocaram.
Ataxia é uma deficiência neurológica que prejudica a coordenação dos músculos e afeta o equilíbrio do paciente. Ao batizar o breve projeto com esse nome, fica claro o que a banda queria: resumir a atmosfera desconfortável de seu som em uma palavra. A sonoridade, no entanto, não foi predeterminada. Eles apenas se enfurnavam no estúdio e, sob o comando do baixo de Joe, improvisavam até que algo de interessante saísse dali. A fórmula deu certo.
Foram duas semanas de gravação e dez músicas registradas, divididas entre "Automatic Writing" (2004) e "AW II" (2007). São discos uniformes, marcados por riffs estridentes, letras abstratas e baixo monótono, sempre o fio condutor de cada faixa. A grande duração das músicas reflete a tamanha improvisação e ressalta o clima experimental e opressor. Quando dei play em Dust, abertura do álbum de 2004, a primeira coisa que me veio à cabeça foi a sufocante obra-prima do P.I.L, "Metal Box".
Falando em influências, há momentos que remetem ao Fugazi (The sides, do primeiro, e Union, do segundo) por conta dos ótimos riffs de Frusciante. Outras passagens, principalmente as de "AW II", são menores e mais acessíveis. Mas o Ataxia em sua melhor forma está nas músicas que ultrapassam os seis minutos, recheadas de vocais nada técnicos e bateria frenética. É essa a marca registrada desse interessante projeto paralelo.
A banda se desmantelou logo depois de finalizar as gravações. Frusciante continuou (e continua) registrando mais e mais material, Lally embarcou numa carreira solo e Klinghoffer se dedicou a empreitadas ao lado de Frusciante ou sozinho até substituí-lo no RHCP em 2008. O Ataxia merece atenção por ser um encontro extremamente curioso entre três instrumentistas sinceros, fazendo música só pelo prazer de fazer música. Um verso quase declamado por Lally em Montreal, a última de "Automatic Writing", sintetiza bem essa sinceridade:
I won't do what they tell me
No, I'll stay just the same...
Post dedicado ao Vinicius, parceiro de algum tempo que me apresentou a essa maravilha e é o maior fã de John Frusciante que já vi. É noise!