Ao mesmo tempo que o punk rock tomava forma em Nova York, uma outra maneira de fazer música raivosa e revolucionária se desenvolvia no litoral californiano. O hardcore punk, como denuncia o nome, tinha origens diretas no punk rock dos Ramones e do Clash, mas seu núcleo era a cidade de Los Angeles e arredores, além de ser muito mais anticomercial e veloz que o gênero originado e popularizado pelos novaiorquinos. E um dos maiores nomes do gênero surgiu já em 1976, inicialmente sob o nome de Panic.
Fundada pelo guitarrista Greg Ginn e o vocalista Keith Morris, a banda tinha uma ética de trabalho muito mais séria do que grande parte de seus contemporâneos. Ginn, com espírito de liderança desde sempre, insistia para que ocorressem ensaios regularmente. A formação era completada pelo baixista Chuck Dukowski, ex-Würm, e pelo baterista Brian Migdol. Raymond Pettibon, irmão de Ginn, chegou a ser baixista por algum tempo, mas abandonou a ideia para se dedicar aos estudos.
O primeiro show do quarteto estabilizado foi no final de 1977, em Redondo Beach. Logo em seguida, tiveram a necessidade de trocar de nome para evitar confusões com outra banda da região; o escolhido foi Black Flag, sugestão de Pettibon. Foi nesse mesmo período que Dez Cadena viu o grupo ao vivo pela primeira vez. Anos depois, ele viria a integrar uma de suas várias formações.
Foto com o insano Keith Morris
A partir desse momento, Pettibon passou a criar vários desenhos para tudo que fosse relacionado à banda do irmão, desde o icônico logo até a capa de álbuns. Outro acontecimento importantíssimo se deu em 1978, ano em que eles deixam registrado o primeiro trabalho oficial do Black Flag: um EP nomeado "Nervous Breakdown".
Sendo a primeira e última gravação com Keith Morris, o vocalista original, o EP composto por apenas quatro faixas é de uma urgência nunca vista antes na época. Desse primitivo registro, saíram os clássicos imortais Nervous Breakdown, Fix Me e Wasted, referência para o mundo do hardcore e para gerações posteriores. Morris sairia um ano depois, alegando não aguentar mais as pirações de Ginn, que, àquela altura, estava totalmente viciado em cocaína. Esse é o fim da primeira fase do Black Flag.
Enquanto Morris estava trabalhando na formação de uma nova banda - o essencial Circle Jerks -, Ginn tratou de recrutar um novo membro para o microfone. Quem assumiu o posto foi Ron Reyes, um fã. Também havia um novo baterista, o enigmático colombiano Robo, e foi com essa formação que a banda apareceu no lendário documentário de Penelophe Spheeris, "The Decline of Western Civilization". Isso só ajudou a reputação do Black Flag como algo sem precedentes na história do rock'n'roll aumentar. Contudo, as mudanças na formação ainda eram um problema: Reyes foi expulso da banda após abandonar o palco no meio de uma apresentação, e quem o substitui é Dez Cadena, o espectador dos primórdios do Black Flag.
A entrada de Cadena coincidiu com o pico de popularidade dos mesmos: eles embarcaram em uma turnê nacional, vendendo três mil ingressos em uma só noite no Santa Monica Civic Auditorium e conquistando problemas ainda maiores com a polícia, que invadia seus shows regularmente. Não é à toa que eles seriam objeto de ofensa em alguns clássicos posteriores do Black Flag.
Em 1981, chegou a vez de Dez Cadena abandonar o posto de vocalista. Sem um treinamento adequado, ele não suporta a demanda vocal da banda e troca o microfone pela guitarra. Aparece, então, Henry Garfield, vocalista da State of Alert e fã de Ginn e companheiros. Ele ficou conhecido como Henry Rollins tempos depois, e abriu algumas portas para o Black Flag, como ajudá-los na realização de seu primeiro show em Washington, D.C., além de, é claro, ter permanecido nos vocais até o fim da mesma.
Rollins trouxe uma característica mais séria a banda, que, inicialmente, fazia canções até mesmo descontraídas. Suas habilidades como poeta, no entanto, eram muito mais austeras e ajudaram na posterior mudança sonora do Black Flag. Foi com ele que o processo de lançamento de um full-length propriamente dito começou.
As sessões de gravação de "Damaged" causaram conflitos entre a banda e o produtor Spot, o qual já havia gravado várias faixas componentes do disco com formações antigas e desaprovava a adição de um novo guitarrista. No entanto, o debut saiu, e mostrou o grupo mais competente do que nunca. Nele já havia o clima sombrio característico dos discos posteriores, com detalhe especial para Thirsty and Miserable, Depression, Damaged 1 e Damaged 2. A gravação, quase totalmente ao vivo, possui uma atmosfera lo-fi que faz toda a diferença; sinceramente, nunca ouvi um disco que soasse como soa "Damaged". Só ouvindo para saber.
As sessões de gravação de "Damaged" causaram conflitos entre a banda e o produtor Spot, o qual já havia gravado várias faixas componentes do disco com formações antigas e desaprovava a adição de um novo guitarrista. No entanto, o debut saiu, e mostrou o grupo mais competente do que nunca. Nele já havia o clima sombrio característico dos discos posteriores, com detalhe especial para Thirsty and Miserable, Depression, Damaged 1 e Damaged 2. A gravação, quase totalmente ao vivo, possui uma atmosfera lo-fi que faz toda a diferença; sinceramente, nunca ouvi um disco que soasse como soa "Damaged". Só ouvindo para saber.
Os problemas de verdade começaram quando a MCA, distribuidora do álbum, se recusou a colocá-lo nas prateleiras por ser um disco "anti-parental". Há, também, quem diga que a verdadeira razão para isso é que a subsidiária responsável pela distribuição, Unicorn Records, era tão mal administrada que não tinha fundos para arcar com as despesas. O resultado foi que o Black Flag foi impedido de usar o próprio nome até 1984.
Mas não foi isso que parou as atividades do quinteto. Em 1981, eles realizaram, junto ao Minutemen, sua primeira turnê europeia. Estava tudo indo muito bem quando, em pleno aeroporto, o visto de Robo é negado e ele é impossibilitado de voltar para a Califórnia. O substituto foi o ex-D.O.A Chuck Biscuits, que não permaneceu muito tempo no posto e deu lugar a Bill Stevenson, conhecido por tocar no Descendents. Robo voltaria à ativa em 1983, integrando o Misfits. E a criatividade de sua ex-banda estava alcançando picos inéditos.
O Black Flag não era o mesmo depois da última turnê, explosiva e violenta. Eles passaram a se interessar por coisas além do punk rock, como Grateful Dead e Jimi Hendrix Experience. Isso influiu e muito nas novas composições, registradas numa demo de 1982, extremamente desaceleradas e inconvencionais. Nessa época, Dez Cadena sai e o Black Flag prossegue com apenas uma guitarra. Um ano mais tarde, o demitido é Chuck Dukowski, que se transformou no administrador das turnês da banda.
A banda ao vivo já com Kira Roessler
Em 1983, é posta nas prateleiras a essencial coletânea "Everything Went Black", um apanhado das gravações do Black Flag com Keith Morris, Ron Reyes e Dez Cadena. O golpe de sorte veio com a falência da Unicorn, o que os libertou do impedimento e possibilitou que voltassem com toda força. Talvez isso explique a raiva transbordante de "My War", um álbum pesado, denso e claustrofóbico. Musicalmente, há influências do Black Sabbath aqui e acolá e, anos mais tarde, o disco seria classificado como um protótipo de sludge metal; e com razão.
- Na segunda parte, a entrada de Kira Roessler, o auge do experimentalisto de Greg Ginn, os conflituosos últimos anos e os acontecimentos atuais relacionados à banda. -



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