As
manifestações pelos quatro cantos do Brasil no ano de 2013 mexeram ao menos um
pouco com o senso patriótico e crítico de cada cidadão. O tempo passou e,
principalmente por causa das polêmicas envolvendo black blocs e afins, as
insurreições continuam fazendo barulho. Independentemente de sua eficácia, os
protestos foram (e estão sendo) válidos por se tratarem de estímulos à
cidadania, valor pouco explorado em nossa sociedade.
Esse
cenário caótico acabou servindo também para inspirar os veteranos do Ratos de
Porão na concepção de um novo álbum. Sem lançar material inédito desde 2010
(ano em que gravaram um split com os espanhóis do Looking For An Answer), os
paulistanos comemoraram três décadas de carreira recentemente e sentiram que
era chegada a hora de “Homem Inimigo do Homem” (2006) ganhar um sucessor.
É
preciso salientar que o quarteto não está mais na flor da idade. Os ensaios, a
partir de um dado momento, foram sendo dificultados tanto pelas obrigações
familiares quanto pela localização de cada um: o baterista Boka mora em Santos,
enquanto os restantes residem na capital São Paulo. Mesmo assim, os shows não
pararam (houve até mesmo uma passagem pela República Tcheca esse ano) e ao que
tudo indica o entrosamento não diminuiu um milésimo.
As
sessões de gravação aconteceram no Family Mob Studios, em São Paulo, e foram
totalmente analógicas. A capa, assinada por Ricardo Tattoo, resume bem a
atmosfera do registro e seus principais temas: a alienação promovida pela mídia
e pelas redes sociais, o lamentável sistema carcerário brasileiro e a
corrupção, já intrínseca à sociedade. Quanto ao som, é evidente que eles
conquistaram (mais uma vez) o equilíbrio entre o metal e o hardcore; ou seja, o
mais puro crossover.
“Século
Sinistro” começa cheirando a clássico: Conflito Violento tem tudo para se
tornar presença obrigatória em setlists futuros, ao mesmo tempo em que soa
absolutamente contemporânea por conta de sua intro. Neocanibalismo pende para
o death metal em algumas passagens e conta com um solo insano de Moyses Kolesne
(Krisiun). A competência da dupla Juninho e Boka fica clara na cadenciada Grande Bosta, cuja letra é um retrato sem retoques do povo brasileiro. O
maior destaque de Sangue e Bunda vai para os “guturais” de Atum, o porco de
estimação de João Gordo, e para os riffs ganchudos de Jão.
Não
há muito que falar sobre a faixa-título: hardcore direto e reto do jeito que só
o RDP sabe fazer. Jornada Para O Inferno é outro destaque inevitável, assim
como o crossover tradicional de Prenúncio de Treta e a metálica Stress
Pós-Traumático. A letra de Viciado Digital, por outro lado, é
contemporaneidade pura e, de certo modo, triste. Como destaques finais, a
versão para Progreria of Power, novamente com a presença de Moyses, e Puta,
Viagra e Corrupção, tão boa quanto seu título.
O
valor de “Século Sinistro” vai além da potência sonora. Sua temática é
indissociável do cenário socioeconômico e político de nosso país, o que também
acontece no quarto álbum dos caras, não coincidentemente intitulado “Brasil”
(1989). Por isso, “Século Sinistro” é uma adição de respeito à discografia do
Ratos; e, para mim, um clássico moderno.

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